Justificativa


A qualidade da educação fundamental se baseia principalmente nos professores e no pessoal da educação em geral. (Relatório final da Conferência de Jomtien - 1990) É, pois, essencial reconhecer seu papel primordial, desenvolvê-lo adequadamente, tratando de otimizar suas contribuições. Em documento elaborado pela Unesco é ressaltada a importância especial que tem a escola como ambiente social nos países em desenvolvimento. A escassez de espaços públicos de lazer, cultura e convivência social saudável para crianças e jovens faz recair sobre a escola, com grande freqüência, a responsabilidade de ser a única referência positiva de sociabilidade e formação para esse grupo. Esse fato traz vantagens e desafios para as escolas. Cabe-nos, portanto, perguntar não só que escola queremos, mas o que fazer, de modo a contribuir para que ela cumpra o seu papel.

Não se busca construir um projeto único, ignorando a diversidade e as especificidades de cada região, estado e comunidade. Ao contrário, o que se espera é que a escola, em cada local, assuma contornos próprios a partir do diálogo com a realidade em que está inserida. A autonomia da escola para construir o seu projeto político-pedagógico deve ser mais do que respeitada, estimulada. E os responsáveis por elaborar e colocar em prática esse projeto são os educadores.

Investir na formação de professores é essencial para que haja transformações na escola. O processo formativo permanente dos professores que inclui tanto a formação inicial como sua continuidade ao longo de toda a vida do profissional, não é um fim em si mesmo, mas um meio de contribuir para a melhoria da qualidade do ensino na escola.

Em conseqüência, uma das prioridades, em qualquer projeto de reforma educacional, deve ser a formação e a conseqüente valorização dos professores da educação básica, que teoricamente fica garantida com a proposta do PDE, mas que passa necessariamente pela melhoria da qualidade da formação, em particular dos que atuam nos anos iniciais do ensino fundamental.

No Brasil, o propósito da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB, Lei 9394/96), no artigo 62, ao exigir que os professores da educação básica tenham formação de nível superior embora admitindo o curso normal de nível médio, para a educação infantil e os quatro anos iniciais do ensino fundamental é o de melhorar a qualidade da educação oferecida aos cidadãos brasileiros. A idéia de formação em nível superior é reforçada pelo artigo 87 da mesma Lei, segundo o qual cabe aos Municípios, aos Estados e à União realizar programas de capacitação para todos os professores em exercício, utilizando também, para isso, os recursos da educação à distância. Assim, consoante essa Lei, após o ano 2007, em toda a educação básica, só deverão ser admitidos docentes com habilitação em nível superior, o que foi normatizado pelo Conselho Nacional de Educação, em 19 de maio de 1999, pela Resolução CEB n° 02/99. E ainda, no parágrafo 4° do mesmo artigo 87, define o prazo de dez anos para que professores sejam graduados, o que atinge novamente os que atuam nas séries iniciais do Ensino Fundamental e na Educação Infantil, para os quais a formação em serviço é, muitas vezes, a única oportunidade de se graduar.

A pressão de educadores brasileiros, entretanto, levou o Ministério de Estado da Educação a homologar o Parecer 03/2003 (CEN/CEB) que altera o referido artigo da LDB, desobrigando os professores de cumprir tal prazo, sem abrir mão, entretanto, da defesa da adesão voluntária dos docentes aos programas de capacitação. Destaca-se, também, que o artigo art. 67 II da LDB prevê inclusive (...) licenciamento periódico remunerado para assegurar aos professores aperfeiçoamento profissional.

Essa preocupação com a formação dos professores em nível superior manifesta-se, ainda, no Plano Nacional de Educação, aprovado pela Lei nº 10.172/2001, que definiu, como meta para o decênio, contar com, pelo menos, 70% dos docentes em exercício na educação básica formados em nível de graduação.

As exigências legais, em conjunto, não são muito claras quanto ao contingente a ser titulado e o tempo limite para isso, porém, mesmo a determinação menos ambiciosa (70% em 10 anos) não foi cumprida, tornando-se um desafio para todos os estados da Federação. Ainda não foram articuladas iniciativas suficientes ou criadas políticas públicas efetivas destinadas à capacitação sistemática de professores, para atender às necessidades do País. Mesmo as regiões mais desenvolvidas, que já atingiram níveis de capacitação elevados, ainda estão distantes das metas ideais.

Portanto, existe elevado número de pessoas com formação insuficiente atuando na educação básica, no Brasil. Não obstante as várias experiências em desenvolvimento no pais, há ainda significativos espaços para os avanços no que tange à formação de professores.

Na esfera internacional, notamos, ainda, que a utilização intensiva de recursos como os novos entornos pedagógicos baseados em web, videoconferências, teleconferências, CDroms e sistemas integrados de telefonia consolidam a geração de um novo modelo educativo de ensino aberto, no qual a interatividade dos professores, alunos e instituições constitui um novo paradigma, que tem como resultado o aumento da eficácia dos programas e, em conseqüência, uma melhor relação custo-benefício de seu financiamento.

O desenvolvimento de plataformas demandadas pelo uso de novas tecnologias consentâneas com o paradigma contemporâneo de educação para um mundo globalizado remete necessariamente para uma reflexão sobre os processos de Formação Inicial e Continuada de Professores. Embora se possa dizer, genericamente, que uma profissão se qualifica por tudo que se promova em favor dela, é preciso distinguir a formação de outros processos com igual horizonte.

A qualificação é uma relação social que envolve o coletivo e a articulação entre educação e trabalho. Como em toda profissão, essa relação possui uma dimensão formativa inicial: aquela que possibilita a uma categoria o exercício profissional. No caso dos docentes, a formação inicial completa em estabelecimentos regulares e credenciados é uma licença que, por sua vez, faz do seu portador, e só dele, alguém capaz de ingressar nas redes de educação escolar dos sistemas de ensino. Portanto, a qualificação implica uma formação sistemática, regular e regulamentada, que, quando obtida em estabelecimentos escolares reconhecidos, gera um diploma ao seu portador. Ela tem um caráter coletivo e institucional.

Nesse sentido, importa não tratar sociedade e indivíduo como elementos antagônicos, mas sim como pólos de uma dialética maior. E não se deve reificar a qualificação na sua dimensão sócio-institucional dada pela formação inicial como se o professor ou a professora, ao longo da sua vida profissional, não construísse novos saberes, ou como se aquele saber atestado pelo diploma de conclusão do curso fosse suficiente para o pleno exercício profissional.

Por melhor e mais avançado que seja um curso de formação acadêmica, o professor, como qualquer profissional, não sai pronto da universidade, mas tem necessidade de complementar, aprimorar e atualizar seus conhecimentos, na prática. Na perspectiva da epistemologia contemporânea, a prática não constitui mero campo de aplicação da teoria aprendida na universidade, pois o conhecimento se produz também na própria prática.

Assim, formação inicial e continuada faz parte de um processo contínuo que forma o profissional da educação e, ao mesmo tempo, a profissão de educador e a própria escola. Ambas as dimensões - inicial e continuada apoiam-se em princípios e pressupostos comuns, considerando o aluno/professor como sujeito, valorizando suas experiências pessoais e seus saberes da prática. Apoiam-se no trabalho coletivo e compartilhado, mas isso não exclui, ao contrário, exige o desenvolvimento e o compromisso individuais.

Além disso, no atual contexto de produção cada vez mais acelerada de conhecimentos científicos, não se pode esquecer a importância da atualização permanente, de forma a democratizar o acesso de todos os profissionais aos progressos do seu campo de trabalho.

Assim, tomar a formação inicial docente em si, com suas precariedades e virtudes, como fonte para analisar, criticar, elogiar, avaliar enfim a atuação dos docentes em exercício na educação básica é incorrer no erro lógico de tomar uma manifestação importante e significativa como se ela fosse o todo. Logicamente, qualquer avaliador sabe que a formação inicial é a condição e o meio mais próximo e direto para o exercício profissional em sala de aula. Portanto, ela deve ser a melhor possível e a mais adequada ao perfil dos estudantes de modo que o princípio do acesso e permanência na escola dos estudantes seja o mais universal e também o melhor.

Entretanto, os saberes nascidos do fazer também têm de ser objeto de valorização sistemática, o que nem sempre acontece. O momento dessa valorização implica uma iniciativa que possibilite uma organização mais clara e mais sistemática que signifique um momento de retomada e de reflexão de experiências e questionamento de rotinas. A formação continuada permite, então, que o professor vá se apropriando como sujeito dos conhecimentos que ele mesmo gerou e que se torne um professor investigador que pode rever sua prática, atribuir-lhe novos significados e obter maior espaço para a compreensão das mudanças que o atingem. Além disso, os desafios atuais do mundo contemporâneo implicam um conhecimento teórico-prático de uma sociedade em que a sala de aula se projeta, por exemplo, pela rede mundial de computadores, para além das quatro paredes.

É preciso lembrar sempre que formação inicial é algo absolutamente indispensável, já que é o subsolo e a infra-estrutura sobre os quais se erige um processo formativo continuado, capaz de articular essa formação inicial com as experiências profissionais, com os saberes advindos deste fazer e com os conhecimentos obtidos por cursos e programas presenciais ou virtuais.

Entretanto, é importante fazer uma distinção: na formação dos docentes, há elementos problemáticos que nascem do próprio processo dela e, por isso, estão nele; há outros, contudo que interferem na formação e estão nela, mas que não nascem dela. Ignorar tais condicionantes é correr o risco de deslocar para o indivíduo e para a escola responsabilidades que não lhes são exclusivas. Nesse quadro, torna-se inadequado enfatizar a formação como a única e isolada saída de nossos problemas. Torna-se também complexo fazer da avaliação um instrumento de crescimento profissional, de exigência de mérito e de desempenho mais produtivo e mais compromissado.

A formação docente não pode deixar de enfrentar nem as urgências próprias da sociedade atual (com seu formidável entorno tecnológico) nem o compromisso com o resgate dos valores próprios do cidadão e da participação da educação escolar nestes desafios.

Analisar as políticas para a formação dos professores da educação básica, nos coloca a todos, dirigentes, professores, estudiosos da questão e alunos, como protagonistas do desencadear de um processo permanente de formação/ capacitação que possibilite ao mesmo tempo: a compreensão das demandas do tempo presente (necessidade de construção de um novo entendimento sobre a aprendizagem, o currículo, as estratégias de avaliação, o novo papel da escola, a educação como processo permanente e as políticas de empresariamento da educação superior, que podem significar aligeiramento nos processos de formação dos professores) e que aproxime as agências formadoras dos interesses e necessidades da sociedade.

Para Tardif, também estudioso da questão, a formação profissional tem de basear-se em uma nova epistemologia: a "epistemologia da prática", que ele define como "o estudo do conjunto de saberes utilizados realmente pelos profissionais [professores, no caso,] em seu espaço de trabalho cotidiano, para o desempenho de todas as suas tarefas" (Tardif, 1991). Assim, a formação do professor, de acordo com a "epistemologia da prática", contribui para dar novo significado também à escola e à profissão docente (Nóvoa, 1991).

A idéia de uma "epistemologia da prática" resulta de transformações na ciência contemporânea relacionadas ao desenvolvimento da microfísica (Santos, 1997) e ao pensamento de autores como Kuhn, Foucault e Canguillen, que criam novos objetos epistemológicos - como o cotidiano, os jogos de linguagem e a prática, entre outros - e demonstram a historicidade do conhecimento (Tardiff,1991). Assim, a prática passa de campo de aplicação a campo de produção do conhecimento, conferindo-se legitimidade aos saberes práticos.

É preciso, pois que os projetos pedagógicos das licenciaturas levem em consideração as demandas atuais dos novos paradigmas educacionais para formar e atualizar professores que possam ser gestores permanentes de seu próprio conhecimento.

O que se pretende com a execução deste projeto é colocar em destaque a análise das políticas de formação do professor que vêm sendo desenvolvidas, bem como a análise dos condicionantes da qualidade que tem impedido que a educação básica, cuja universalização do acesso é um dos pontos fortes da política educacional vigente, garanta uma interação de qualidade entre aluno e professor. Por outro lado o exame das propostas de formação no Estado do Paraná visa a verificar até que ponto os processos de formação e atualização docente vêm acontecendo em torno dos seguintes eixos, articuladores da qualidade:

1. formação consistente e contextualizada do educador nos conteúdos de sua área de atuação;

2. formação teórica, sólida e consistente sobre educação e os princípios políticos e éticos pertinentes à profissão docente;

3. compreensão do educador como sujeito capaz de propor e efetivar as transformações político-pedagógicas que se impõem à escola;

4. compreensão da escola como espaço social, sensível à história e à cultura locais;

5. ação afirmativa de inclusão digital, viabilizando a apropriação pelos educadores das tecnologias de comunicação e informação e seus códigos;

6. estímulo à construção de redes de educadores para intercâmbio de experiências, comunicação e produção coletiva de conhecimento.